Por Luiza Sanchez
Cada vez se torna mais comum
encontrarmos profissionais que aderiram à dupla jornada, seja por uma questão
de complementar a renda ou até mesmo por prazer às atividades as quais
escolheram exercer. Já pensou que aquele baterista que toca as músicas que você
curte, também pode ser cinegrafista de televisão no horário comercial? Também
tem o jornalista que desenha zines e é artista plástico, além daquele
profissional de tecnologia e informática que em um outro momento usa sua
criatividade elaborando a diagramação de um tabloide. E você conhece algum
professor de filosofia que também é vocalista de uma banda de rock?
Todos esses profissionais
“multitarefas” estão aqui em Petrópolis e contam como entraram nesta eterna
luta contra os ponteiros do relógio, se desdobrando para cumprirem seus
compromissos sem deixar a peteca cair.
O gis e o microfone
Instrumentos totalmente
diferentes, mas que juntos completam ele. Emanoel Taboas é professor de
Filosofia no Centro Universitário IBMR-Laureate, mas também compõe algumas
bandas de Petrópolis, dentre elas a de rock “The Fog Session”, que com seu
estilo grunge traz aos público trabalhos autorais . Quando questionado sobre
suas profissões, entre risos, Emanoel afirma que não foi propriamente uma
escolha sua.
- Na verdade, fui escolhido. Entrei para a faculdade com 26 anos, depois de muito tempo sendo
somente músico. Consegui uma bolsa no coral da UCP. Ia fazer fonoaudiologia,
mas o curso fechou. Como eu estava com a bolsa, decidi assistir uma aula no
curso de filosofia para ver como era. Foi a melhor coisa que eu poderia ter
feito. Hoje, tenho duas grandes paixões na vida: a música e o magistério -
conta.
É comum
notarmos que músicos, em sua maioria, têm uma segunda profissão, até mesmo por
ser um mercado, muitas vezes, de difícil ascensão ou valorização. No entanto,
Emanoel destaca que a dedicação exclusiva à profissão é um caminho para o
sucesso, mas que o cenário petropolitano ainda não incentiva os artistas.
- Não acho que
seja impossível viver de música. Existe essa visão sobre pessoas que escolhem
serem músicos. Tenho vários amigos que vivem, e bem, da música. No meu caso,
escolhi outra profissão por nunca ter sido um cara extremamente dedicado à
música. Achei melhor retirá-la do lado prático da vida e colocá-la na parte
afetiva. Em relação ao cenário petropolitano, vejo muita gente boa buscando seu
espaço, mas isso não é nada fácil. As casas costumam pagar mal e não valorizar
o trabalho do profissional. Mas isso não acontece só na cidade - afirma.
No entanto ele
aponta que apesar de alguns movimentos do município já possibilitarem uma
visibilidade maior do artista, tais como o Solstício do Som, além do Estúdio S
de Música e das apresentações feitas nas praças e parques da cidade, a Fundação
de Cultura e Turismo de Petrópolis poderia ser mais atuante.
- A Fundação
poderia movimentar um pouco mais o cenário de espetáculos na cidade, não
somente em relação à música, promovendo shows com cachês justos e um ambiente
de trabalho bacana, em questão de som, luz, palcos e etc. – ressalta.
Apesar da
corrida contra o tempo para conciliar suas atividades, ele diz que se
precisasse escolher apenas uma das carreiras não conseguiria.
- Ouvi uma vez
de uma colega que você pode ter várias vidas nessa única que tens. Acho que
isso resume bem a questão. Estudo sempre que posso e toco sempre que preciso –
finalizou.
Entre pincéis, lápis e redações

- Fui para a Graphis Escola de Desenho, em São Paulo. Lá,
cheguei a participar de quatro números do zine Vortex HQ e, quando percebi, já
era zineiro. Isso foi no final dos anos 80, início dos 90 - pontua.
Apesar de sua paixão pelas artes, Salerno diz que não
existe espaço em Petrópolis para a área, bem como seu reconhecimento e
valorização.
- Sou jornalista há 20
anos e apaixonado pelo meu trabalho. Gosto, mesmo! Mas, claro, se houvesse mais
oportunidades para divulgar meu trabalho como quadrinista, zineiro e artista
plástico, além de escritor -tenho cerca de 11 livros publicados, está saindo
outro agora, pela Editora Marca de Fantasia -, seria ótimo. Mas a cidade,
fechada em si mesma e pelo estigma de ser a Cidade Imperial, não contribui
muito para isso - reclama.
Por isso ele resolveu
optar por uma carreira principal, que é a de jornalista. Segundo ele, a escolha
foi feira por que ele gosta da profissão e também porque precisa sobreviver, já
que em sua opinião, “artista, no Brasil, a não ser os expoentes, aqueles que
nasceram de quina para a lua, morre de fome”.
Questionado sobre o que
falta na cidade para que o artista tenha mais espaço, Salerno é objetivo e
aponta ações que poderiam ser desenvolvidas.
- Por exemplo, uma
revista, parecida com um zine, financiada pela Fundação (FCTP), seria uma boa,
pois daria oportunidade a artistas que não têm espaço de mostrar seus
trabalhos. Outras cidade brasileiras já
fizeram isso, ou ainda fazem. Entretanto, a compreensão entre artistas, dar as
mãos em torno de um ideal, acho isso muito difícil em se tratando de Petrópolis.
Todos olham para seu próprio umbigo e isso é uma verdade. Assim, vou fazendo
meu lance sozinho mesmo - diz.
Márcio Salerno é
responsável pelo caderno de cultura no jornal Diário de Petrópolis, onde
trabalha de segunda à sexta-feira. Já suas outras atividades dependem do dia e
de inspiração.
- Pintar, desenhar,
escrever, depende muito do dia. Às vezes penso em um zine durante muito tempo.
Outras, faço um em cinco minutos, como já fiz. Às vezes passo um tempão sem
pintar telas. De repente, volto a fazer isso e faço umas seis ou sete de uma
vez. É assim que eu trabalho como artista, sem ter nada muito definido -
relata.
E mesmo realizando
diariamente as mesmas tarefas, Salerno garante que se tivesse mais tempo se
dedicaria às mesmas coisas às quais se dedica hoje, principalmente ao
jornalismo. Mas diz que gostaria de acrescentar fotografia e um curso de
Antropologia em uma boa faculdade a seu currículo, além de realizar viagens e
novos zines. Porém, com novidades saindo do forno, o tempo anda escasso.
- Em outubro, vai haver a
Semana da Literatura por aqui. Me convidaram para coordenar um dia em que
haverá uma oficina de zines, com a presença de um zineiro famoso de São Paulo,
o Marcio SNO - não, não sou eu. Na ocasião, eu e minha companheira de 15 anos, Miriam
de Almeida, vamos lançar um zine que estamos fazendo a quatro mãos, o
"Onyrium" – confirma.
Set de gravação: música ou TV?
Marcelo Berner também
optou em viver a dupla jornada. Ele é baterista desde os 14 anos, mas como ele
mesmo diz, pela falta de “grana” para investir em instrumentos e cursos, acabou
tornando-se músico profissional somente aos 25. Desde então essa foi sua
principal atividade. No entanto, há cerca de três anos, trabalha como
cinegrafista na TV Cidade de Petrópolis.
- Já tinha feito alguns
trabalhos de cinegrafisra para o meu irmão, que tem uma produtora. Então ele
comentou que uma amiga de uma TV local estava precisando de cinegrafista
perguntando se eu eu estava interessado na vaga. Foi quando eu comecei e me
apaixonei pela profissão – relata.
Vendo que estava envolvido
com o trabalho, Berner passou a fazer cursos para se aperfeiçoar, assim como já
havia feito – e faz – com a música. Não que ele quisesse deixar os palcos de
lado, mas o estúdio de TV poderia ser um plano de carreira que ele ainda não
tinha imaginado.
- Vivi por um bom tempo
somente da música. Mas no Brasil, a não ser que você esteja na mídia, é difícil
viver da música. Quando se opta por isso, ou você está dividindo o “apê” com
alguém, ou toca na noite sem muita valorização. E se depender da Ordem dos
Músicos, que somos obrigados a pagar, não temos muito incentivo, a não ser
tocando com artistas conhecidos – explica.
Mas o trabalho como
cinegrafista também o satisfaz, já que não deixa de se tratar de arte. Para
ele, independente de gravar em estúdio, fazer jornalismo ou cinema, envolve a
arte, o que deixa o trabalho mais prazeroso. Tanto que Berner garante que não
conseguiria optar por uma das duas coisas.
- Não tem como optar.
Quando vou fazer algo, vou fazer bem feito. Vou estudar, me aperfeiçoar. E
largar uma das duas coisas é impossível. Se eu disser que não vou mais
trabalhar em TV, continuarei tocando, mas terei uma câmera bacana para fazer
minhas imagens. Da mesma forma que se eu optasse em fazer só cinegrafia, ia tocar
minha bateria nem que fosse uma vez por semana – conta.
Apesar disso, como todo
brasileiro, a busca pela estabilidade é incessante. Marcelo Berner não descarta
a hipótese de um emprego em outra área.
- No entanto, nada me
impede de prestar um concurso público. Posso trabalhar com estabilidade, ter
minhas garantias e carga horária. Mas da mesma forma, continuaria tendo minha
bateria e uma câmera, e sempre que pudesse, tocaria e faria minhas imagens –
conclui.
Um instrumento, duas
funções
Assim é com Tarcísio
Gomes. Ele terminou o Ensino Médio sem saber com o que queria trabalhar. Então
começou a procurar emprego como todo estudante, que conclui os estudos e não
está estagiando. Por um acaso começou a fazer um trabalho de divulgação, o que
despertou seu interesse pela área tecnológica. Durante os estudos, ao ser
reconhecido pelo seu bom desempenho, começou a ministrar aulas em cursos
básico. Daí em diante não saiu mais da área de Tecnologia e Infomática, seja em
trabalhos mais formais, como efetua na Comdep (Companhia de Desenvolvimento de
Petrópolis), com suporte de TI, ou no Diário de Petrópolis, com a diagramação
do jornal. Entretanto, sua dupla jornada é necessária.
- A opção por dois empregos é o custo de vida, que no
Brasil já não está fácil, e em Petrópolis muito menos. Petrópolis, por ser
considerada Cidade Imperial, possui um custo de vida altíssimo. E para que eu
possa assumir os compromissos, até porque tenho esposa e filha, neste momento,
optei por trabalhar desta forma - explica.
Tarcísio reconhece que a principal vantagem é poder
ter duas fontes de renda, mas ressalta a importância de estar em duas empresas
conhecendo pessoas, fazendo amizades e, principalmente, adquirindo
experiências. No entanto lembra que muitas vezes o emprego está disponível, mas
não existem muitos profissionais qualificados, fazendo com que os poucos acabem
ocupando mais cargos.
- Não existem muitas pessoas capacitadas em Petrópolis
para fazer diagramação ou design gráfico. Acho que falta interesse no cidadão
para se capacitar a fim de conquistar a vaga no emprego que ele tanto procura.
E hoje existem diversas formas, como por exemplo o Pronatec, basta querer – diz
Tarcísio, que está terminando sua pós-graduação.
Para ele, o mais difícil em seu dia-a-dia é ter que
resolver alguma coisa pessoal, já que em muitos momentos precisa estar focado
no trabalho, mesmo sabendo que existem outras pessoas que dependam dele para
resolver alguma coisa.
- Um outro fato é ter, as vezes, só o domingo , para
passar com a família ou precisar ficar mais um tempo no seu primeiro emprego e
não poder porque tem que ir para o outro. Mas até agora estou conseguindo
manter os dois - diz.
Quanto à
remuneração aos profissionais de Petrópolis, ele critica os baixos salários,
atribuindo às altas taxas de impostos, que não são poucos e que recaem sobre o
empregador, apontando exemplos da Rua Teresa e de shoppings de Itaipava.
- Na Rua Teresa e no Shopping Vilarejo, em Itaipava,
você pode notar como tem várias lojas fechadas. Não sei se também falta um pouco
de empreendedorismo para os empregadores. Talvez novas idéias, novas formas de
agir, de atrair o cliente, seria uma opção – afirma.
Se não fosse a correria do cotidiano, Tarcísio conta
que gostaria de se dedicar à prática de esportes e voltar a estudar música. Mas
ressalta que mesmo trabalhando em dois lugares, consegue conciliar família,
estudose emprego. Ele também se diz feliz com as duas atividades que exerce
hoje.
- Acho que em primeiro lugar, você precisa se
sentir bem para poder desempenhar bem as sua funções. Como disse anteriormente,
às vezes, quando precisa resolver alguma coisa em que o horário não permite,
sempre tento fazer de uma maneira que não prejudique nenhum lado - finaliza.
Enfim, ter dois, três ou mais empregos não é fácil. Mas
para satisfazer gostos ou necessidades, estes profissionais estão a postos. Mas
e você? Encararia uma dupla jornada?
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