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Confinados com vossas convicções

            O convite da dramaturga francesa Yasmina Reza para Roman Polanski coroteirizar e dirigir a adaptação de sua peça, Deus da carnificina, para o cinema foi certeiro. É pouco provável que algum outro cineasta tenha mais experiência profissional e pessoal no assunto do que ele, acostumado a filmar entre quatro paredes (O bebê de Rosemary e O inquilino) e ao confinamento da prisão domiciliar imposta pela acusação de estupro nos EUA, em 1977. Portanto, Polanski é, além de tudo, perito em discussões morais, ou seja, o número correto para calçar um texto cujo tema central é a hipocrisia.
            Uma sala de estar de um apartamento em Nova York. Dia. Dois casais tentam resolver amigavelmente uma questão da qual não participaram: o filho dos Cowan agrediu o menino dos Longstreet no parque. O filme se passa inteiramente dentro dessa situação, preservando a dinâmica dramatúrgica do teatro, coisa rara de se ver em adaptações de peças para a telona. Não se trata, porém, de teatro filmado com a câmera em plano fixo. A linguagem cinematográfica está presente, direcionando o olhar do espectador para onde se deseja, entretanto, sem querer se sobressair. Ela está à serviço da história. E o desenrolar da narrativa se dá mais por nuances do diálogo, do que por ações. No início todos são formais e gentis, mas o papo se estica, um café, um bolo e aparecem os tropeços em palavras como “armado”, “intencionalmente” e “vítima”. A imparcialidade das posições defendidas vai ficando comprometida, fazendo a tensão aumentar até o nível da agressão verbal e física.
            Engana-se quem acha que Polanski foi “menos autor” por não ter incluído piruetas estéticas. A orientação artística deve caminhar em direção ao significado do filme que, nesse caso, pedia apenas uma boa interpretação do texto. Do contrário, poderia acabar incorrendo no erro de ser maneirista. E se os atores chegaram ao excelente resultado observado foi porque houve uma direção precisa em tons, detalhes e intenções. Nos sentimos voyeurs diante de um reality show, assistindo em tempo real a evolução emocional dos personagens naquela sala.
            A produção de elenco foi perfeita em suas escolhas. Christoph Waltz nasceu para fazer personagens cínicos. Alguém não lembra do Coronel Hans Landa de Bastardos inglórios? Assim como John C. Reilly nasceu para fazer papel de bonachão. Contabilizem Precisamos falar sobre Kevin, Chicago... Finalmente, nesse ele toma a atitude que sempre esperamos em vão de seus personagens: reage e grita com sua mulher mandona. Palmas para ele! Jodie Foster, a esposa mandona, brilha em sua dureza. Nenhuma surpresa nisso vinda da ótima atriz que sempre foi. Kate Winslet também está ótima e linda como sempre. Mesmo com seu corpo incrivelmente coberto, sem desviar nossa atenção.
            Todos compõem personagens da classe média americana, onde um passo em falso mostra como são fracas suas convicções, sustentadas por máscaras sociais que logo caem, evidenciando os valores pequeno-burguês de cada um. Deus da carnificina é um microcosmo do jogo político e, consequentemente, retórico visto em proporções maiores ao longo da História da humanidade. Polarizados por ideologias contrárias, Alan (Christoph Waltz) nos remete à direita disfarçada de liberalismo na máxima “laissez faire, laissez aller, laissez passer", enquanto Penélope lembra o autoritarismo travestido de esquerda. Nancy e Michael assumem posições conciliadoras de centro, mas logo se vendem por um whisky ou pelo feminismo barato. Assim começam as guerras, com atitudes infantis inconciliáveis. Assim terminam os casamentos. Por qualquer fagulha mínima se abandona o senso de coletividade e civilidade. Nos tornamos animais predadores. Um interessante debate (ou seria embate?) em tempos de Rio+20 e discurso politicamente correto.

FICHA TÉCNICA
Diretor: Roman Polanski
Elenco: Jodie Foster, Kate Winslet, John C. Reilly e Christoph Waltz 
Gênero: Comédia dramática
País: França/Alemanha/Polônia/Espanha
Duração: 80 min

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