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Andrea Moreli


Andrea MoreliI*


Setembro chegou. Com ele, fitinhas amarelas tomam conta das redes sociais e da grande mídia. Mês da prevenção do suicídio. Em 2003, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estabeleceu 10 de setembro como Dia Mundial de Prevenção do Suicídio visando uma discussão consciente e solidária. Aproveitando a data mundial, em 2015, foi criada a campanha Setembro Amarelo no Brasil. A cor da campanha é uma homenagem ao jovem americano Mike Emme, apaixonado por mecânica, que restaurou e pintou um Mustang 1968 amarelo e se suicidou em 1994, aos 17 anos. No funeral, amigos levaram fitas amarelas e puxaram a campanha “se precisar, peça ajuda”. A fita amarela ficou então símbolo da prevenção do suicídio.

 

Somos o único país que dedica um mês inteiro à causa. Pode ser preocupante a possibilidade de acionar gatilhos e o desconforto aos enlutados expostos nesse longo período. Falar abertamente sobre suicídio é muito importante, combater seus mitos é necessário, mas devemos estar abertos ao diálogo sempre, em qualquer época do ano! É preciso ter cuidado na maneira como o suicídio é abordado, com a divulgação de estatísticas de fontes duvidosas e informações aterrorizantes, com a onda de (súbitos) especialistas que surgem para falar sobre o tema. O suicídio é uma questão de saúde pública e devemos estar atentos a ele sempre, como postura de vida e não por adesão. Não adianta postar fitas e frases motivacionais nas redes sociais, subir hashtags pela causa e no instante seguinte ignorar a pessoa que está ao seu lado, não estar aberto a ouvir.

 

Nesta supermodernidade que nos empurra à uma vida corrida, para o “tudo ao mesmo tempo agora”, para a sensação de que estamos sempre em débito com alguma coisa e de que faltam horas nos nossos dias, a capacidade de pausar e atribuir significados ao que sentimos é fundamental. Vivemos um momento em que tudo nos leva a não criar vínculos, não nos prendemos a nada. Só que quanto mais nos distanciamos do outro, menos significamos nossos cotidianos, não conhecemos nossos vizinhos, não olhamos para quem está sentado ao nosso lado no ônibus, ficamos cada vez mais em nossas individualidades. Somos seres sociais, constituídos pelas nossas relações sociais, precisamos do outro, no entanto, parece que estamos na contramão dos laços sociais, do compromisso durável. Precisamos reverter este quadro.

 

Durkheim, teórico do século XIX, que publicou criterioso estudo científico sobre o suicídio, chamou a atenção para o fato das mortes voluntárias ocorrerem em razão inversa ao grau dos laços sociais. Onde havia vínculos sociais mais sólidos, os índices eram menores. Mais de um século após publicação do livro, vivemos o auge do individualismo. Assistimos episódios cotidianos de defensores da coletividade desde que seus privilégios estejam assegurados, uma cultura na qual todos querem ser VIPs, querem vantagem, mas não tem como todos chegarem em primeiro lugar. E aí, muitas vezes, institui-se o descaso como norma. É essa a sociedade que queremos? O suicídio é um fenômeno multifatorial, não tem como atribuir uma causa. Mas não podemos negar que muitas questões sociais potencializam fatores de risco. Falar de prevenção do suicídio é repensar uma série de padrões (inatingíveis) que nos são impostos todo o tempo. É falar de defesa dos Direitos Humanos, de respeito à diversidade, de desconstrução de preconceitos. Falar de prevenção do suicídio é falar de acolhimento.

 

O setembro amarelo ajudou a quebrar tabus, dar maior visibilidade à questão, isso é um grande mérito! Só não podemos nos esquecer que enxergar o outro, ouvir, se importar com outras vidas, deve ser prática constante, do ano inteiro.

 

(*) Cientista social, membro da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (ABEPS) e professora da UNIFASE.

 

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