A saúde mental dos idosos é um tema que ganha cada vez mais relevância, sobretudo no contexto do Setembro Amarelo, campanha nacional de prevenção ao suicídio. Ainda assim, muitas vezes a tristeza persistente nessa fase da vida é vista como uma consequência “natural” do envelhecimento, quando na realidade pode estar relacionada a quadros clínicos de depressão. O alerta é da médica de família e comunidade Inoã Viana, pós-graduada em Geriatria e certificada na prescrição de cannabis medicinal, que tem se dedicado ao cuidado integral da população idosa em consultório, atendimento domiciliar e no ensino médico.
Segundo a especialista, é preciso desconstruir a ideia de que cuidar da saúde mental é supérfluo, especialmente entre gerações mais antigas. “O sofrimento não deve ser encarado como fraqueza, tampouco como parte inevitável da velhice. Todos nós enfrentamos momentos de dor, mas quando a carga se torna maior do que a pessoa pode lidar, pedir ajuda é essencial”, afirma.
Perdas, mudanças e possibilidades
O processo de envelhecer envolve transformações marcantes: aposentadoria, saída dos filhos de casa, limitações físicas e perdas de entes queridos. Em meio a tantas mudanças, é comum que sintomas de abatimento passem despercebidos. “Mesmo diante de cenários que podem ser desafiadores, precisamos reforçar as possibilidades dessa fase. O idoso pode redescobrir hobbies, viver seus próprios desejos e criar novos vínculos. Encarar a melancolia como algo inerente ao envelhecimento significa perder oportunidades de acolher quem está em sofrimento”, explica Inoã.
A médica chama atenção para um aspecto cultural recorrente: a naturalização da tristeza entre idosos. “Muitas vezes a sociedade entende o sofrimento como consequência inevitável das perdas. Esse olhar reduz o idoso a um papel de despedida, quando a vida ainda pode ser fonte de novas experiências”, observa.
Sinais de alerta e diagnóstico
Os sintomas da depressão em idosos podem se assemelhar ao processo natural de envelhecimento, dificultando o diagnóstico. Alterações no sono, perda de interesse por atividades prazerosas, mudanças no apetite, lentificação do raciocínio e falhas de memória são sinais que merecem atenção. “Se normalizarmos esses sinais, perderemos a chance de acolher quem está em sofrimento”, reforça a médica.
Para facilitar a identificação, existe a Escala Geriátrica de Depressão (GDS), instrumento utilizado no rastreio do transtorno. O questionário reúne perguntas que parecem simples, mas oferecem dados relevantes ao profissional. “Quando o paciente responde se se sente cheio de energia ou se percebe que a vida está vazia, conseguimos compreender melhor seu estado emocional e identificar indícios de adoecimento”, explica.
Prevenção e fatores protetores
O estilo de vida tem papel central na prevenção. O isolamento social, a ausência de rotina e a falta de propósito são fatores que favorecem o surgimento da depressão, enquanto atividades físicas, encontros sociais e participação em grupos comunitários ou religiosos funcionam como elementos protetores. “Na terceira idade, esses estímulos se tornam ainda mais valiosos, pois compensam as perdas e permitem que novos laços sejam formados”, afirma Inoã.
A médica ressalta também a importância da rede de apoio. “Um acompanhamento humanizado precisa considerar o contexto de vida do paciente, em que fase ele se encontra e como podemos integrar familiares e cuidadores nesse processo”, observa. Segundo ela, o tratamento da depressão em idosos deve ser multidisciplinar, combinando cuidados médicos, psicológicos e sociais.
A diferença entre tristeza e depressão
Distinguir a tristeza passageira de um quadro clínico exige atenção. De acordo com Inoã Viana, a chave está no impacto na autonomia do idoso. “Quando há perda de funcionalidade, sensação de pouco valor ou desesperança constante, é preciso acender o alerta. Esse é o momento de buscar apoio médico e psicológico”, destaca.
Envelhecer como redescoberta
Mais do que apontar os riscos, a médica enfatiza a necessidade de uma nova visão sobre o envelhecimento. “É natural que essa fase traga perdas, mas também é possível criar novos laços afetivos, reforçar vínculos já existentes e experimentar vivências diferentes. Envelhecer não deve ser visto apenas como um processo de despedidas, mas também de redescobertas”, conclui.
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