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Nick Maia, protagonista do filme "Onde Mora a Saudade" |
O nascimento de uma criança
deveria ser sempre um motivo de celebração. Para muitas famílias, no entanto, o
diagnóstico de Síndrome de Down desperta medo, desinformação e, em alguns
casos, abandono. A ausência — física ou emocional — ainda atravessa lares em
todo o país, atingindo de forma profunda mães e bebês.
Ainda não existem estatísticas
oficiais detalhadas, mas um levantamento de 2025 do Instituto Mano Down,
organização social sem fins lucrativos de Belo Horizonte (MG) que promove a
inclusão e a autonomia de pessoas com Síndrome de Down e outras deficiências,
aponta que 73% dos pais homens se afastam dos filhos antes dos cinco anos de
idade. Números semelhantes do Instituto Baresi, de 2012, indicam que 78% dos
pais abandonam os filhos após o diagnóstico de uma deficiência. Por trás desses
dados, existem histórias de ruptura, medo e solidão — mas também de resistência,
amor e reconstrução.
O psicólogo clínico Bernardo
Vieira explica que o abandono pode ser físico ou emocional, e que ambos deixam
marcas profundas. “A ausência física compromete a segurança da criança,
enquanto a ausência emocional mina o sentimento de valor próprio e a percepção
de que ela é digna de amor. Em ambos os casos, a autoestima e a capacidade de
formar vínculos saudáveis ficam gravemente prejudicadas”, diz.
Segundo Bernardo, muitas
dessas ausências têm raízes culturais. “Em vários casos, o pai se afasta
influenciado por um machismo estrutural que ainda associa cuidado e
sensibilidade à figura materna. É preciso desconstruir essa ideia e incentivar
a presença ativa desde cedo”, reforça.
Os sinais de sofrimento podem
ser sutis, mas reveladores: retraimento, tristeza constante, dificuldade de
concentração, alterações no sono e uma busca excessiva por aprovação. “Esses
comportamentos expõem uma ferida afetiva. É nesse ponto que o vínculo familiar
e o amor cotidiano fazem toda a diferença”, observa.
Aos pais inseguros diante do
diagnóstico, Bernardo deixa uma mensagem de esperança: “O diagnóstico não é uma
sentença, é um mapa. O amor, o cuidado e o autoconhecimento dos pais são os
maiores recursos terapêuticos que uma criança pode ter.”
O educador, ator e cineasta
Rodolfo Medeiros, com mais de vinte anos dedicados à educação inclusiva,
transforma essa reflexão em arte. Autor e diretor do curta-metragem “Onde Mora
a Saudade”, ele aborda no filme o abandono e o amor resiliente nas famílias de
crianças com Down.
“O abandono deixa marcas que
não se apagam. Quando uma criança é deixada de lado, aprende cedo que o mundo
pode ser um lugar que exclui. Isso afeta autoestima e aprendizado”, observa
Rodolfo. Para ele, o afeto é o ponto de partida de qualquer processo educativo.
“Quando a criança se sente vista, ouvida e pertencente, ela aprende melhor, se
comunica melhor e floresce. O contrário disso fecha caminhos, silencia e
prejudica o desenvolvimento humano.”
O curta nasceu do desejo de
dar voz ao que o silêncio costuma esconder. “É um filme sobre ausências, mas
também sobre a força do amor que permanece. Ele convida a olhar o abandono não
apenas como ausência física, mas como silêncio emocional. Mais do que falar de
dor, fala de resistência e da capacidade de amar apesar das feridas.”
Rodolfo reforça que a inclusão
depende também de atitudes e políticas públicas consistentes. “Inclusão não é
um favor, é um direito. Para que se torne realidade, é preciso investir em
políticas que apoiem as famílias desde o nascimento, com acompanhamento
psicológico, orientação educacional e acesso à escola inclusiva de qualidade.”
Sobre Petrópolis, ele
acrescenta: “A cidade tem vocação para acolher, mas precisa transformar isso em
prática. Garantir acessibilidade nas escolas, valorizar projetos culturais e
criar espaços de convivência entre crianças com e sem deficiência são passos
fundamentais. A inclusão nasce do olhar: quando uma cidade aprende a olhar com
empatia, torna-se, de fato, um lar para todos.”
O filme “Onde Mora a Saudade”
tem pré-estreia prevista para novembro deste ano em um cinema da cidade e
convida o espectador a refletir sobre abandono e afeto, mostrando que presença,
cuidado e sensibilidade são os caminhos mais potentes para a inclusão e o
fortalecimento de vínculos desde a infância.
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