Nick Maia, protagonista do filme "Onde Mora a Saudade" que terá pré-estreia em novembro, em Petrópolis 


O nascimento de uma criança deveria ser sempre um motivo de celebração. Para muitas famílias, no entanto, o diagnóstico de Síndrome de Down desperta medo, desinformação e, em alguns casos, abandono. A ausência — física ou emocional — ainda atravessa lares em todo o país, atingindo de forma profunda mães e bebês.


Ainda não existem estatísticas oficiais detalhadas, mas um levantamento de 2025 do Instituto Mano Down, organização social sem fins lucrativos de Belo Horizonte (MG) que promove a inclusão e a autonomia de pessoas com Síndrome de Down e outras deficiências, aponta que 73% dos pais homens se afastam dos filhos antes dos cinco anos de idade. Números semelhantes do Instituto Baresi, de 2012, indicam que 78% dos pais abandonam os filhos após o diagnóstico de uma deficiência. Por trás desses dados, existem histórias de ruptura, medo e solidão — mas também de resistência, amor e reconstrução.


O psicólogo clínico Bernardo Vieira explica que o abandono pode ser físico ou emocional, e que ambos deixam marcas profundas. “A ausência física compromete a segurança da criança, enquanto a ausência emocional mina o sentimento de valor próprio e a percepção de que ela é digna de amor. Em ambos os casos, a autoestima e a capacidade de formar vínculos saudáveis ficam gravemente prejudicadas”, diz.


Segundo Bernardo, muitas dessas ausências têm raízes culturais. “Em vários casos, o pai se afasta influenciado por um machismo estrutural que ainda associa cuidado e sensibilidade à figura materna. É preciso desconstruir essa ideia e incentivar a presença ativa desde cedo”, reforça.


Os sinais de sofrimento podem ser sutis, mas reveladores: retraimento, tristeza constante, dificuldade de concentração, alterações no sono e uma busca excessiva por aprovação. “Esses comportamentos expõem uma ferida afetiva. É nesse ponto que o vínculo familiar e o amor cotidiano fazem toda a diferença”, observa.


Aos pais inseguros diante do diagnóstico, Bernardo deixa uma mensagem de esperança: “O diagnóstico não é uma sentença, é um mapa. O amor, o cuidado e o autoconhecimento dos pais são os maiores recursos terapêuticos que uma criança pode ter.”


O educador, ator e cineasta Rodolfo Medeiros, com mais de vinte anos dedicados à educação inclusiva, transforma essa reflexão em arte. Autor e diretor do curta-metragem “Onde Mora a Saudade”, ele aborda no filme o abandono e o amor resiliente nas famílias de crianças com Down.


“O abandono deixa marcas que não se apagam. Quando uma criança é deixada de lado, aprende cedo que o mundo pode ser um lugar que exclui. Isso afeta autoestima e aprendizado”, observa Rodolfo. Para ele, o afeto é o ponto de partida de qualquer processo educativo. “Quando a criança se sente vista, ouvida e pertencente, ela aprende melhor, se comunica melhor e floresce. O contrário disso fecha caminhos, silencia e prejudica o desenvolvimento humano.”


O curta nasceu do desejo de dar voz ao que o silêncio costuma esconder. “É um filme sobre ausências, mas também sobre a força do amor que permanece. Ele convida a olhar o abandono não apenas como ausência física, mas como silêncio emocional. Mais do que falar de dor, fala de resistência e da capacidade de amar apesar das feridas.”


Rodolfo reforça que a inclusão depende também de atitudes e políticas públicas consistentes. “Inclusão não é um favor, é um direito. Para que se torne realidade, é preciso investir em políticas que apoiem as famílias desde o nascimento, com acompanhamento psicológico, orientação educacional e acesso à escola inclusiva de qualidade.”


Sobre Petrópolis, ele acrescenta: “A cidade tem vocação para acolher, mas precisa transformar isso em prática. Garantir acessibilidade nas escolas, valorizar projetos culturais e criar espaços de convivência entre crianças com e sem deficiência são passos fundamentais. A inclusão nasce do olhar: quando uma cidade aprende a olhar com empatia, torna-se, de fato, um lar para todos.”


O filme “Onde Mora a Saudade” tem pré-estreia prevista para novembro deste ano em um cinema da cidade e convida o espectador a refletir sobre abandono e afeto, mostrando que presença, cuidado e sensibilidade são os caminhos mais potentes para a inclusão e o fortalecimento de vínculos desde a infância.

 


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